Um modelo teórico tem como objetivo fazer uma descrição da realidade baseado em conceitos coerentes entre si. O grau de coerência desse modelo o validará.
Rolando Toro desenvolveu um modelo teórico para explicar o fenômeno da vida. Ele criou esse modelo em um contexto histórico-científico no qual estavam sendo questionadas as bases fragmentadas de nossa compreensão do universo. Segundo Capra (1996), era um momento onde a visão não-mecanicista pós-cartesiana permitia a concepção da vida como uma rede de totalidades integradas.
Partindo de uma intuição inicial de um universo que existe porque existe a vida (Princípio Biocêntrico), e inspirado por essas novas vicissitudes científicas, Rolando integra conceitos de psicologia, biologia, fisiologia, física, filosofia e mitologia, entre outras fontes, que possibilitam a compreensão da vida como um processo cósmico de desenvolvimento, expresso em níveis de organização crescentes, estruturado por um psiquismo ordenador – o qual nomeou de Inconsciente Vital.
O modelo teórico se refere inicialmente à ontologia, ou seja, ao desenrolar da existência humana, mas se expande, posteriormente, para a compreensão de um processo cósmico de vida. A ontologia, assim, é concebida como parte desse processo global inteligente que coordena os aspectos do vivente.
Rolando Toro era um educador, psicólogo e antropólogo, uma mente perspicaz e sensível que se interessava em entender o fenômeno humano com objetivo primordial de promover formas para a expansão da saúde e para a integração e a expressão dos potenciais. Assim, desenvolveu seus conceitos a partir de dados empíricos que colhia em suas experiências quando lecionava na Universidade do Chile e passou a usar a dança e a música para alcançar tais objetivos.
Suas primeiras experiências em hospitais psiquiátricos com pacientes esquizofrênicos e, posteriormente, com epilépticos, o levaram a cogitar a existência de dois polos de consciência: a consciência intensificada de si – responsável por estados de vigília, ativação adrenérgica, prontidão para ação, separação clara entre os limites corporais e o mundo – e o estado de regressão – onde a vigília encontra-se diminuída e os limites corporais dissolvidos, num regresso à estados perinatais e de ressonância com mensagens originais de vida, um estado parassimpático colinérgico com predominância de ondas alfa cerebrais e uma sensação de fusão com o meio. Esses dois estados de consciência são estados cotidianos em nossa biologia: a alternância entre atividade e repouso, vigília e sono. Através dos exercícios de Biodanza, Rolando percebeu que era possível induzir esses estados visando o reestabelecimento do equilíbrio neurovegetativo e renovação orgânica, principalmente, pela indução de estados regressivos que geram uma reciclagem de padrões de vitalidade:
“Um trânsito em direção ao primordial…Na medida em que a pessoa diminui sua vigilância, perde a noção do próprio limite corporal. A regressão significa submergirmos no leito de nossa espécie, retomar a mensagem. Sem a capacidade para renovar-se, nenhum organismo poderia sobreviver. Este processo de renovação só é possível mediante atos de regressão e reprogramação, uma espécie de ressonância permanente com o originário”
(Rolando Toro)
Dos polos de consciência, Rolando segue sua aventura teórica para conceber o que denominou identidade: resumidamente, o potencial que cada ser humano traz em sua herança genética e que, expresso no meio e influenciado por ele, funda a combinação e expressão única de características que garante sua singularidade. A identidade está imersa no paradoxo de ser única e constantemente em transformação. A integração e expressão da identidade é um dos objetivos centrais do Sistema Biodanza.
A expressão desse potencial genético, propõe o autor, se dá a- través de 5 canais que nomeou como linhas de vivência: vitalidade, sexualidade, criatividade, afetividade e transcendência.
- A vitalidade refere-se à capacidade de agir, ao ímpeto vital, ao estado global de saúde;
- À capacidade de desfrutar, escolher, sentir prazer, refere-se a sexualidade;
- Ao expressar conteúdos internos e produzir mudanças na vida superando padrões de mecanização, refere-se a criatividade,
- À capacidade de vínculo, de sentir-se afim a todo ser vivo, de cuidar e ser cuidado, a afetividade;
- E a capacidade de perceber a vida de forma ampliada, a percepção da sacralidade e o pertencimento à uma totalidade cósmica, estão relacionados à transcendência.
A expressão ampla ou reduzida das linhas de vivência será dada pela interação do potencial genético com os fatores ambientais encontrados durante a existência: eco e cofatores.
Esses fatores externos ambientais, ecofatores, poderão estimular os potenciais ou bloqueá-los em diversas fases do ciclo vital. Os ecofatores mais centrais são os humanos. As relações que a pessoa estabelece em sua existência a constituem. Somos através do outro.
Já os fatores químicos e endógenos que influenciam a expressão dos genes são denominados cofatores (hormonais, neurotransmissores, fatores nutricionais):
“Não basta a presença de um ou vários genes para a expressão de uma característica ou para a formação de determinada proteína. É necessária a presença de cofatores. Os cofatores são de natureza química.
Um tipo de intervenção jamais antes proposta, é a ativação da expressão genética a partir da deflagração de hormônios e neurotransmissores naturais, mediante a estimulação de emoções específicas. Estas emoções específicas podem ser provocadas mediante exercícios que induzem coragem, erotismo, alegria, etc.
A estimulação emocional é uma ativação de hormônios hipotalâmicos, que hão de atuar como cofatores para permitir a expressão de potencialidades humanas geralmente inibidas. A enorme diversidade que é produzida pela combinação dos potenciais do código genético, sugere as insuspeitas capacidades humanas, que só necessitam condições ótimas para se expressarem. Esta variedade, praticamente infinita, se deve às possibilidades matemáticas de combinação dos elementos do código genético”
(Rolando Toro)
Seguindo com Rolando na aventura de construir um modelo teórico tão complexo e abrangente, reflitamos um pouco mais sobre a ontologia. Para entender a ontologia é preciso retroceder à filogenia (história das espécies) e ainda mais atrás, ao surgimento das condições iniciais para a vida: suas raízes universais de gênese e manutenção.
Inspirado em um universo que existe porque existe vida, Rolando retrocedeu ao caos e a organização em uma fase pré-orgânica para compreender o fenômeno vivente. Percebe-se, pelo que propõe a teoria das incertezas de Prigogine, que mesmo antes da primeira faísca de vida acontecer, existiam condições de instabilidade e auto organização que despontam em sua aparição. A vida, então, através de princípios universais abre caminho: totalidades integradas, auto- organizadas, afastadas do equilíbrio, sistemas abertos que desenvolvem suas propriedades a partir da relação de seus elementos, que se comportam a partir de probabilidades.
Segundo Carl Sagan, se puséssemos a vida desde sua aparição em uma escala proporcional a um ano, poderíamos localizar o fenômeno da consciência no último minuto. Aparentemente, a vida ocorre apesar da consciência (quando entendemos como consciência aquilo relativo à racionalidade). Sempre existiu uma coordenação de elementos e padrões que criam e mantém a vida, mesmo antes de existir qualquer possiblidade de consciência. Segundo a teoria de Santiago, a vida é um ato de conhecimento; todo ato de vida, de criar um mundo em qualquer organismo vivo pode ser entendido como cognição, e esta, prescinde de um cérebro para ocorrer. Portanto, é possível compreender plenamente nosso potencial imerso em padrões inconscientes. A vida se insere em esferas que transcendem a compreensão racional e o entendimento. Dentre essas esferas, Rolando sugeriu a 3 extratos do Inconsciente. O inconsciente pessoal Freudiano, o coletivo de Jung e o vital, criado por Rolando Toro.
Esses inconscientes seriam, então, camadas de um todo inconsciente e inteligente que norteia todas as ações vivas e humanas.
O Inconsciente Pessoal se refere à historia individual, aos condicionamentos incorporados e conteúdos que ficam reprimidos durante o processo de aculturação. Ele também engloba as disposições instintivas herdadas, que Freud denomina pulsões. Encontramos, portanto, nesse inconsciente o resultado do conflito entre o princípio da realidade e o princípio do prazer, onde os impulsos que não ultrapassam a barreira da censura de nosso Superego tem seu destino nos porões de nosso Inconsciente Pessoal. Para Freud, ele é um caldeirão enfervescente de desejos, alguns deles nunca chegam à luz da consciência.
O Inconsciente Coletivo foi teorizado por Jung, discípulo de Freud e autor da teoria analítica. Ele propõe que nosso inconsciente contém núcleos psíquícos que representam nossos instintos: “os arquétipos são formas pictóricas dos instintos, aptidões imaginárias da psique. Esses núcleos garantem a expressão de capacidades humanas que asseguram a preservação de nossa espécie. Os arquétipos aparecem como símbolos, que apesar de se modificarem através das culturas e dos tempos, tem o poder de evocar a mesma expressão no humano. Arquétipos são universais. O Inconsciente Coletivo seria, em uma descrição metafórica, a ‘biblioteca da espécie’.
O Inconciente Vital foi criado por Rolando Toro e se refere à inteligência norteadora que permite a manutenção de todos os processos vitais. Esse psiquismo norteador direciona a solidariedade celular, os fenômenos de defesa de nossos organismos, as precisões de ritmos e interrelações que garantem a vida. A partir de estados regressivos, das carícias, de vivencias de conexão com a natureza, re- sintonizamos essa inteligencia vital.
Nossa ontología se faz na integração dessas dimensões. A ascensão a novos níveis de integração dentro da rampa evolutiva denomina-se trânstase.
A ontogênese progride através de processos de maturação e diferenciação, de complexidade crescente e dá saltos evolutivos chamados Trânstase, através dos quais se realiza a integração existencial.
“No processo integrativo intervém o inconsciente pessoal (memória do indivíduo), o inconsciente coletivo (memória da espécie) e o inconsciente vital (memória cósmica)”.
(Rolando Toro)
Somos, portanto, seres multidimensionais. Integrar essas dimensões era a proposta de Rolando. Participar da dança cósmica nos percebendo como partes de uma totalidade maior, contendo a mensagem da totalidade. “Somos o oceano em uma gota” (autor desconhecido).
A ideia de resgatar o movimento, o gesto natural, é uma ponte para essa dança cósmica. Ao resgatar o gesto natural em mim, resgato a natureza e toda essa inteligência coordenadora. Dançando na dança do Universo posso me expressar com toda a minha singularidade dentro desse contexto maior. Assumir a minha maior “Daniellidade” possível, ser cada vez mais eu mesmo, integrado com a vida e a vida integrada em mim. A dissociação significa separação: entre as partes do sistema, entre as partes do organismo, entre si e o outro e entre si e a natureza. Caso separado, caso desconectado, esse fluxo de inteligência se descontinua, segundo a teoria de Rolando. Essa seria fonte de todas as enfermidades.
A integração e expressão da identidade é o objetivo maior da Biodanza. Resgatar o universal em nós, nossa natureza primordial, para que possamos, participando do processo teleonômico do universo ( a tendência evolutiva crescente à níveis cada vez mais sutis e elaborados de expressão), criar nossa dança singular e expressar nossa identidade.